Processo criativo

O mundo não perdoa a inércia

E o dilema de mudar a qualquer custo e a qualquer maneira.

- By Antônio Dellatore e Rodrigo Francisco

O mundo não perdoa a inércia

O desejo pela mudança é raramente infundado.

Repare bem, não dissemos necessidade de mudança. Dissemos desejo. Entre os dois tem uma diferença que muda tudo.

O que motiva alguém a mudar de carro? De cidade? De comportamento?

A necessidade costuma vir de fora. Ela é imposta por uma circunstância que não dá pra ignorar: o carro quebrou, o contrato venceu, o hábito começou a fazer mal. 

A necessidade grita e provoca a ação. 

Já o desejo de mudar vem de dentro. Ele sussurra. 

Às vezes estimulado por uma referência externa? Sim. Nos dias atuais, mais do que nunca. Uma marca concorrente que se atualizou, uma nova estética que deixa de ser emergente e se torna dominante, uma tendência que incomoda porque estamos fora dela.

O desejo de mudar surge quando algo dentro de nós se recusa a permanecer igual.
É o incômodo da estagnação. A busca por relevância. A tentativa de encontro com uma versão mais potente, mais alinhada, mais reconhecida de nós mesmos.

Essa busca por relevância pode parecer legítima. E talvez até seja. Mas quando não nasce de clareza, o desejo pode virar disfarce. O que pode tornar a mudança uma nobre desculpa do ego.

E é aí que a coisa pega:
Nem toda necessidade de mudança é acompanhada de desejo.
E nem todo desejo de mudança corresponde a uma real necessidade.

Mudar pelo que nos falta é diferente de mudar pelo que queremos sentir.
E se a mudança não é consciente, ela será uma tentativa de se ajustar ao novo sem entender o que, de fato, precisa ser transformado.

O momento em que nos damos conta de que velhos rótulos já não nos cabem é onde a mudança se faz mais que necessária.

Por outro lado, a perspectiva de futuro, e todas as mudanças que são trazidas consigo, aparecem por vezes com um sinal vermelho, principalmente quando associadas à tecnologia, como as projeções de Matrix ou de Exterminador do Futuro, fazendo questionar: em que momento o amanhã deixou de ser uma esperança e tornou-se um pesadelo tomado pela tecnologia?

Independentemente da perspectiva, o que importa é reconhecer que resistir às mudanças é nadar contra a maré, seja pela tentativa de adequar-se ao que parece correto, seja pelo medo de enfrentar determinada nova realidade.

Toda mudança de paradigma afeta a sociedade de maneira generalizada e atinge meios de produção, engenharia, design, arquitetura e todo tipo de processo criativo — atravessando a todos nós igual e diariamente de maneiras que ainda nem conseguimos conceber.

As barreiras para a mudança podem ser financeiras, comportamentais ou tecnológicas; Independente da forma, buscamos maneiras de não sermos completamente engolidos pelas revoluções que acontecem. 

Um ditado que me engasga quando o desejo de mudar é disfarçado de necessidade é:
“melhor feito, do que perfeito.”

Uma versão mais honesta seria: “melhor mal feito do que não feito”.

Essa lógica funciona para inúmeras situações do nosso dia a dia: experimentamos algo mesmo sem muita experiência e seguimos aperfeiçoando o processo até que ele fique decente. O que é natural na maioria dos aprendizados.

Essa não é uma defesa da perfeição, longe disso. Mas do equilíbrio, aquele necessário em toda prática que envolve continuar em movimento, oscilando, as vezes colocando o pé no chão, às vezes pedalando mais forte, como no andar de bicicleta.

O problema surge quando usamos isso apenas como atalho, escolhendo um caminho mais fácil e menos autêntico.

Não existe veracidade quando tudo se resume a uma resposta apressada para quebrar um galho. Nos tornamos vítimas de nossa própria superficialidade – e o que nos resta é torcer para que o galho não caia em cima da nossa cabeça.

Um processo “meticuloso”e “intrincado”

Mudamos porque identificamos claramente uma necessidade ou apenas para acompanhar a maré?

Quantas vezes promessas de transformação foram feitas sem aprofundamento real? Gosto de observar o que vem acontecendo nos dias de hoje, onde os adjetivos “meticuloso” e “intrincado” têm ganhado espaço, especialmente em textos revisados por inteligência artificial – um reflexo da busca por eficiência às custas da autenticidade. A necessidade sintética de se atualizar, encontrando uma via mais rápida, porém ineficiente e pasteurizada.

Quando a tecnologia produz um “olho robô”, insensível e impessoal, o futuro se torna inalcançável.

Ser mais rápido e “eficaz” não pode passar por cima das qualidades do que é feito por humanos e para humanos. Em alguns casos, é preferível manter a ‘roupa velha’ do que trocar por outra de procedência desconhecida, já que mudar sem critérios claros, traz riscos maiores do que o suposto benefício da velocidade. 

Trilhar o caminho errado pode ser tão prejudicial quanto ficar para trás.

É como apostar naquela estrada que você mal conhece para evitar o trânsito, e encontrar quilômetros e quilômetros sem retorno – ou, com muita sorte, chegando ao destino desejado pelo simples acaso. O preço a se pagar por uma decisão prematura é incalculável.

Onde está o futuro de ontem?

Pensar no amanhã sem considerar o ontem, é perder de vista onde estamos.

Almejar um futuro distante, preocupado apenas com a aparência para essa ocasião, revela um despreparo para o que está por vir. As mudanças que moldam o futuro acontecem no presente – cada passo dado e cada linha traçada agora define a realidade que logo viveremos. Ajustar o curso durante a jornada torna-se uma consequência natural desse processo.

Entretanto, toda essa reflexão pode se tornar vazia quando pautada por impulsos superficiais, gerados pelo prompt ideal que não se diferenciam de um corretor ortográfico de celular – capaz de manter certa coerência, mas sem profundidade real. Quem diria que Ian Malcolm de Jurassic Park estaria correto (talvez ele mesmo?) ao afirmar que, muitas vezes, a ciência é como uma herança recebida, sem o conhecimento necessário para reconhecer seus limites e como empregar tanto poder;

Nesse contexto, as novas ferramentas estão nos permitindo criar em volumes nunca antes concebidos, mas de maneira pasteurizada e descontextualizada de seus objetivos ideais. 

Chame de mudança, evolução ou o que preferir; independentemente do nome, a necessidade permanece a mesma. “Não decidir também é uma decisão”, e falando de marcas, isto pode deixar até o plano de negócios mais sólido à mercê do tempo e de variáveis que poderiam ter sido contornadas.

Essa discussão vai além do design, branding e negócios, e limitá-la apenas a isso pode tirar o foco de seus reais impactos, entretanto, não isenta a maneira que pensamos processos e buscamos resultados em nossa área. Tecnologia e comportamento influenciam nosso trabalho, nossa produtividade, e não menos importante, as decisões que tomamos.

A escolha não é o caminho. Ela determina se vamos andar ou esperar sermos empurrados.

E o que isso tem a ver com meu negócio?

Tudo. Em todos os lugares. Ao mesmo tempo.

Ouvimos com frequência: “Qual é o melhor momento de mudar?” 

A resposta raramente é simples. Justamente porque não existe posição neutra diante da mudança. Se você não se posiciona, é posicionado pelo contexto. Se você não decide, o ‘mercado’ decide por você. O problema não é desejar mudar a qualquer custo, mas fazer isso sem contexto, sem critério, sem consciência – e muitas vezes, sem necessidade.

Tem muita marca trocando de roupa sem saber quem é, porquê é e para quem é.

Correndo atrás da próxima tendência como se fosse estratégia.

Atualizando o visual, sem atualizar a visão. 

Vemos isso todos os dias:
• Rebrands que parecem upgrade, sem nenhuma mudança real de cultura.
• Narrativas que gritam modernidade, mas sussurram insegurança.
• Promessas que parecem novas, mas continuam vazias.

É fácil confundir inovação com novidade. Na ansiedade e no senso de urgência gerado pelo boom das inteligências artificiais, enfrentamos a também artificial necessidade que elas imprimem. Aquela sensação de “Se meu concorrente fez, eu também preciso”, enquanto isso não muda o fato de que uma tecnologia mal empregada gera apenas uma precarização da força de trabalho, do tempo e da qualidade do que ofertamos ao público.

O design, quando bem usado, não entrega só forma, ele entrega função sem se esquecer da inspiração.

O design nos ajuda a revelar a pergunta certa. E nos lembra: não é o excesso de opções que paralisa, é a falta de intenção. 

Mudanças planejadas, ancoradas em pesquisa e estratégia guiadas pela intuição humana,
levam marcas a lugares antes apenas imaginados.

O medo pode até ser o freio necessário. Mas o avanço acontece quando temos a coragem de olhar com frieza pra própria realidade e perguntar com honestidade brutal:

“Esse é mesmo o caminho que eu quero seguir com meu negócio?”

Reposicionar, expandir, fundir, reinventar – as razões para mudar são muitas e num mundo que não perdoa a inércia, pensar no amanhã é uma tarefa pra ontem.

O hype das inteligências artificiais e das inovações instantâneas inflama uma ansiedade disfarçada de ambição. A real urgência não está em adotar tudo o que é novo.
Está em entender o que, de fato, precisa mudar.

Então, antes de desejar a mudança, vale perguntar:
Qual o custo real de não mudar – e o impacto real de mudar sem consciência?

Porque no fim das contas, o papel das organizações não é só o que elas entregam.

É o que essa entrega torna possível para a sociedade.